O objectivo deste artigo é fazer uma sucinta e simples descrição do mundo das Comunicações em geral e da telefonia em particular. O especialista encontrará naturais incoerências e omissões enquanto o leigo terá acesso a conceitos importantes explicados com abrangência e simplicidade. No fim do artigo uma série de links permitem obter mais informações sobre os temas abordados.
Telefonia analógica - POST
Em 1877, Thomas Edison criou um aparelho baptizado como fonógrafo. O fonógrafo foi o início de uma revolução que evoluiu para a utilização da corrente eléctrica para envio de sinais analógicos como a voz. Quando falamos para um telefone analógico, os sons que produzimos são convertidos em electricidade. O volume e a modulação da voz resultam em diferentes variações da corrente eléctrica, ou seja, a voltagem, a frequência e a carga são combinadas para reproduzir as propriedades da voz.
As linhas analógicas usam as propriedades da electricidade para transmitir as conversações, devendo-se desde já referir que a telefonia não consiste apenas na transmissão de voz através das linhas telefónicas. Para além da possibilidade de transmissão de voz existe a sinalização: tom de discagem (dial tone), números marcados, sinal de ocupado, etc. Analisemos o terminal telefónico que apesar de aparentemente simples desempenha uma série de funções importantes:
- Solicitação para o uso do sistema, quando o telefone é retirado do gancho (off the hook).
- Indicar que o sistema está pronto para uso, por meio da recepção do tom de discagem (dial tone).
- Enviar o número do telefone chamado ao sistema
- Indicar o estado da ligação, por meio da sinalização
- Acusar o recebimento de uma ligação, com o toque da campainha
- Converter a voz em sinais eléctricos para a transmissão
- Ajustar automaticamente a mudança de potência
- Sinalizar ao sistema o fim da chamada.
Nota: Os telefones funcionam com tensão contínua de – 48 V (quando “no gancho”).
O telefone decádico (à esquerda na figura), no qual os dígitos são transmitidos por sequências de pulsos, deixou de ser suportado em Portugal há alguns anos. O telefone multifrequencial (DTMF - Dual-Tone Multi-Frequency, à direita na figura), no qual os dígitos são transmitidos por combinações de frequências, com um par de frequências associado a cada tecla, tornou-se a norma.
O sistema de discagem multifrequencial substituiu o telefone decádico por apresentar vantagens: diminuição do tempo de discagem, transmissão de dados a taxas baixas, redução de requisitos das centrais do Operador, etc.
O cariz analógico dos sistemas telefónicos apresenta alguns problemas. Do ponto de vista físico, o sinal analógico degrada-se em função da distância percorrida. Para aumentar a distância, as companhias telefónicas começaram por instalar repetidores que amplificavam o sinal. Contudo o ruído da linha também é amplificado aumentando a distorção de cada vez que um repetidor é utilizado. Como tal a adição progressiva de repetidores torna a voz incompreensível. Por outro lado, as ligações analógicas exigem a colocação de um par de fios por telefone o que exige grandes quantidades de fio em estruturas de grande dimensão. Este e outros factores, nomeadamente a necessidade de aumentar o leque de serviços a fornecer tornaram propiciaram o surgimento da Telefonia Digital. Como vantagem, até aos dias de hoje, a telefonia analógica ou na nomenclatura anglo-saxónica o POTS (Plain Old Telephone Service) é altamente fiável apresentando índices de disponibilidade de 99.9%.
Um dos conceitos mais importantes no tocante aos POTS é a correcta compreensão dos termos FXO (Foreign eXchange Station)e FXS ( Foreign eXchange Office ). São interfaces características da telefonia analógica e operam sempre juntas, ou seja, uma interface FXS está sempre ligada a uma interface FXO e vice-versa. Nunca sucede uma interface FXO estar ligada a outra interface FXO ou FXS a FXS. A interface FXS é a responsável por fornecer a linha ou seja o tom de discagem (dial tone) e a corrente eléctrica. A interface FXO liga-se à interface FXS, pertencendo a um dispositivo terminal como um telefone ou um fax, ou a uma PBX. Um cliente residencial ligará o seu telefone, que tem uma interface FXO à parede onde estará a interface FXS.
Numa empresa, existirá uma Central telefónica (PBX) que terá de possuir interfaces FXO para se ligar à interface FXS providenciada pela Operador de Telecomunicações e interfaces FXS onde se ligarão os telefones que apenas podem ter interfaces FXO.
Telefonia Digital
Numa abordagem simplificada, os sinais digitais usam números ao invés de sinais eléctricos para representar a voz. Quando se fala em digitalização da voz refere-se ao processo de conversão de sinais analógicos para digitais (representados por números). No essencial, cada número representa um som que um interlocutor produziu para um telefone. As redes de telecomunicações conseguem transmitir informação digital sem degradação e ao contrário do que sucede na telefonia analógica, a telefonia digital permite a transmissão dessa informação numa única linha, mesmo sendo gerada por vários interlocutores. Tal acontece porque a transmissão de voz digital usa uma tecnologia chamada Time-division Multiplexing (TDM), que permite diferenciar as várias conversações.
Observando a figura em cima, a conversação foi digitalizada, tendo sido convertida numa série de valores numéricos
A implementação de tecnologias digitais surgiu com o nome ISDN (Integrated Services Digital Network) sendo que em Portugal se notabilizou com o nome RDIS (Rede Digital com Integração de Serviços ou Rede Digital de Serviços Integrados). Convém mencionar que a adopção das tecnologias digitais no mundo da telefonia não foi uniforme a nível mundial, existindo algumas diferenças a assinalar. O contexto que nos interessa, ou seja o Português, será o abordado.
Em Portugal, a tecnologia de entrada no mundo digital foi o BRI – Basic rate interface. No jargão dos Técnicos e comerciais de Telecomunicações fala-se de “acesso básico”, para referir uma ligação BRI. Continuando, um acesso básico RDIS suporta 2 canais B (64 kbps cada canal) (transferência de voz e dados) e 1 canal D (16 kbps), usado para sinalização. Refira-se também que os acessos podem ser MP (multiponto) ou P2P (ponto a ponto). Os acessos multiponto são requisitados por pequenas empresas ou clientes residenciais, onde são ligados a equipamentos terminais como telefones ou faxes. O serviço contempla geralmente 3 números (MSN’s), podendo ser fornecidos no máximo 8 números. Por sua vez, os acessos ponto a ponto são utilizados em empresas visto requerem a utilização de centrais telefónicas (PBX). Podem ser associados a acessos ponto a ponto um número infinito de números DDIs. O termo DDI é o acrónimo de Direct dial-in, termo utilizado para designar conjuntos de números que as empresas podem, através da configuração das Centrais Telefónicas, atribuir a extensões internas.
Outra tecnologia RDIS muito utilizada e que fornece uma largura de banda superior é o PRI – Primary Rate Interface visto que possuí 30 canais B (2048 Mbps) e um canal D (64 kbps). Nos Estados Unidos e no Japão são fornecidos apenas 23 canais B e 1 canal D numa linha T1. Na Europa, e em Portugal é utilizada uma linha E1. Usa-se o termo “primário” para designar este tipo de ligação. Pela quantidade de canais disponíveis torna-se evidente que a utilização de DDIs é mais usual neste tipo de ligação.
Com os circuitos analógicos, a sinalização ocorre quando o telefone é retirado do gancho e através de frequências eléctricas específicas. No sistema digital, foram criados outros tipo de sinalização dos quais vamos destacar os seguintes:
- CAS (Channel associated signaling): A informação referente à sinalização é transmitida usando a mesma largura de banda da voz.
- CCS (Common channel signaling): A informação referente à sinalização é transmitida num canal dedicado para o efeito.
Vejamos sucintamente em que consistem estes dois tipos de sinalização:
CAS - Channel associated signaling
As ligações T1 que usam CAS efectivamente “roubam” bits para a sinalização que seriam usados para a voz. Tal poderia indiciar uma perda de qualidade, mas tal acaba por não suceder porque a quantidade de bits usados não é suficiente para ter impacto significativo na qualidade da voz transmitida. Devido a esta característica, muitas vezes o CAS é referido como RBS - Robbed bit signaling .O dispositivo de voz que utiliza a linha T1 usa o oitavo bit em cada sexto sample, em cada canal DS0, conforme ilustra a figura:
Conforme se pôde observar, os 24 canais do circuito T1 transportam apenas voz nas primeiras cinco frames enviadas. Na sexta frame (marcada com S na figura), o oitavo bit não transmite voz, transmitindo informação de sinalização. Tal sucede na sexta frame, depois na décima segunda, depois na décima oitava, e assim sucessivamente. O stolen bit faz relay da informação de sinalização para o canal DS0 respectivo. Por exemplo, os bits retirados do terceiro canal DS0 fazem relay da sinalização apenas desse canal.
CCS - Common Channel Signaling
No CCS um dos canais DS0 de um circuito T1 ou E1 é utilizado inteiramente para informação de sinalização, sendo tal conhecido como out-of-band signaling exactamente pelo facto de o tráfego de voz e de sinalização estarem completamente separados. Num circuito T1, 23 canais DS0 são utilizados para transmissão de voz e um canal é utilizado para a sinalização. Como tal, nesta implementação, existe um novo protocolo que se encarrega de reunir e transmitir toda a informação dos 23 canais DS0 num único canal. O mais popular é o Q.931, que é igualmente o protocolo utilizado nos circuitos ISDN ou RDIS. O CCS é mais popular e utilizado nos sistemas de comunicações, porque oferece maior flexibilidade, maior largura de banda nos canais transportadores de voz, e maior segurança pelo facto de a voz e a sinalização estarem separados. O CCS permite que os fabricantes de soluções de comunicações criem mensagens proprietárias e funcionalidades específicas para os seus equipamentos, algo que não ocorre com o CCA.
Nota:Refira-se que utilizando CCS nos circuitos T1, a vigésima quarta slot é utilizada para a sinalização. No CSS em circuitos E1 é usado o décimo sétimo canal.
Nota: Nos já jurássicos anos 90 e no tempo das ligações por modem a 56 kbps à Internet, chegou a ser prestado em Portugal um serviço com recurso a RDIS que permitia e estonteante velocidade de 128 kbps. Os preços proibitivos do hardware assim como do próprio serviço não permitiram a sua entrada no mercado residencial, tendo contudo sido feitos avultados investimentos no sector público que não se revelaram rentáveis visto que o ADSL surgiu pouco tempo depois. Nos dias de hoje o ADSL foi substituído pela fibra óptica nos grandes centros urbanos, resistindo em regiões mais periféricas e no interior do país. O ADSL funciona em linhas analógicas e em linhas RDIS. Contudo, o modem deve ser específico para cada uma das linhas. Deverá ser [Anexo A] para linhas analógicas e [Anexo B] para linhas RDIS. Se nas linhas analógicas a velocidade poderá ir até aos 24 Mbps penso que tal não é possível nas linhas RDIS devendo como tal verificar essa situação com o operador. Salienta-se que a distância do modem ao DSLAM (central de agregação das linhas afectas ao serviço) é crítica para o bom funcionamento do ADSL. Nas ligações onde existam muitas quebras de conectividade poderá ser necessário baixar a velocidade contratualizada para o serviço, sendo essa a única solução. Na página de gestão dos modems ADSL deverá consultar o campo SNR (Signal-to-noise ratio). Geralmente o valor for inferior ou pouco superior a 5 deverá informar a operadora.
PSTN – Conceitos básicos
Os protocolos de sinalização e de comunicação até agora mencionados são utilizados na PSTN (Public switched telephone network) ou Rede pública de telefonia comutada. Trata-se de uma gigantesca rede mundial de comunicações. Voltando um pouco atrás, quando os primeiros sistemas de telefonia foram criados, os telefones eram simplesmente ligados por fios à medida que eram adicionados. Com o aumento da dimensão tornou-se obviamente necessário planificar a rede, compartimentando-a. Vejamos sucintamente algumas das partes constituintes.
- Telefone analógico (Analog telephone): Permite ligação directa à PSTN, sendo o dispositivo mais comum.
- Circuito local (Local loop): O link entre o cliente e a empresa de Telecomunicações que fornece o serviço.
- Central de comutação (CO switch): providencia serviços ao circuito local, tais como a sinalização, roteamento de chamadas, etc.
- Trunk: estabelece a ligação entre centrais de comutação ou entre uma central de comutação e um sistema privado.
- Central de comutação privada (Private switch, PBX): Permite que uma empresa ou organização possua uma espécie de PSTN privada. É essa PSTN privada que interage com a Central de comutação da empresa de Telecomunicações, estando todos os telefones ligados nessa central. Tal impede que cada um dos telefones esteja directamente ligado à PSTN, o que seria extremamente caro e nada prático.
- Telefone digital (digital phone): Telefone digital que liga à Central Local, ou PBX.
As centrais privadas de comutação ou PBX (Private Branch Exchange) permitem que as pessoas dentro de uma organização possam comunicar sem utilizar nenhum recurso da PSTN. Note-se que com o advento da Internet, as funcionalidades da PSTN têm vindo a ser por ela absorvidas e incorporadas . Actualmente, as pessoas que subscrevem uma solução Triple-Play das principais operadoras do mercado, podem utilizar um telefone para fazer chamadas, mas este já não encontra ligado à PSTN, utilizando ao invés a estrutura de dados dos ISPs.
Quando observamos fisicamente uma PBX verificamos que é constituída por um conjunto de Placas. Cada placa tem uma função específica:
- Placas de linha (Line cards): providenciam a ligação entre a PBX e os dispositivos telefónicos.
- Placas de Interface de Voz/Wan (Trunk cards): Providenciam as ligações entre várias PBXs ou com a PSTN (analógica, RDIS, primário, GSM).
- Control Complex: Na nomenclatura da Cisco, trata-se da parte de software da PBX que gere todas as funcionalidades inteligentes (roteamento de chamadas, chamadas em espera, etc.).
A PBX apresenta-se como um único ponto de falha mas são equipamentos muito fiáveis, proporcionando um uptime de 99% e uma esperança média de vida entre os 7 e os 10 anos. Quando se pretende adquirir uma ligação telefónica temos várias opções em conta em função das necessidades. Um cliente residencial precisará somente de uma ligação telefónica analógica ou a providenciada pelo ISP.
A PSTN é uma rede mundial, tal como a Internet. Para que todas as empresas de Telecomunicações mundiais possam comunicar é necessário que exista um protocolo comum de comunicação, tal como o TCP/IP para a Internet. No caso da Telefonia, o protocolo é o SS7 (Signalling System No. 7), que tem um conjunto de regras para o estabelecimento e término de chamadas, billing, roteamento, etc.. Saliente-se que o SS7 é um protocolo que funciona entre Centrais de Comutação do ponto de vista dos operadores de Telecomunicações e como tal, na perspectiva da configuração e manutenção da PBX não é necessário lidar com o mesmo.
Devemos mencionar a rede mundial de telefonia móvel, o GSM (Global System for Mobile Communication) ou Sistema Global para Comunicações Móveis, que permite a comunicação de mais de 1 bilião de dispositivos móveis em todo o mundo. Existe obviamente interface entre a PSTN e a rede GSM. Note-se que é possível colocar uma PBX a efectuar e receber chamadas GSM, adquirindo um "interface GSM" onde se colocam os cartões SIM fazendo-se depois a interligação com a central conforme as especificações de ambos os equipamentos.
No tocante ao PSTN Existe uma regra universal de numeração que permite a comunicação global e que obedece à seguinte regra:
00 XX PP AA CCCC MCDU
- 00 - Prefixo para ligações internacionais;
- XX – Código da operadora;
- PP – Código do país;
- AA – Código de área do telefone;
- CCCC – Prefixo da central telefônica;
- MCDU – número do terminal telefônico.
VoIP
O VoIP é o acrónimo de Voice Over IP tratando-se de um conjunto de tecnologias que permitem realizar comunicações de voz utilizando a Internet. Relembre-se que a Internet foi criada para transferência de dados e não para transmissão de voz em tempo real. Quando as primeiras tecnologias VOIP surgiram foram afectadas por um conjunto de problemas que foram entretanto ultrapassados. Actualmente as tecnologias VOIP são fiáveis quando correctamente implementadas e é expectável que uma parte considerável das comunicações de voz da PSTN migrem para a Internet conforme mencionado.
O VOIP consiste basicamente em transformar voz em informação binária (0s e 1s), colocar essa informação em pacotes IP e transmiti-los usando a Internet. Contudo, é necessário assegurar que a qualidade da transmissão através de mecanismos de Qualidade de serviço (QoS – Quality of service), escolha do codec necessário e porventura encriptação das comunicações, caso a segurança seja uma preocupação. Estas tecnologias complexificam o deployment de soluções VOIP mas o custo benefício ainda assim pende para a escolha deste tipo de soluções pelos seguintes factores:
- Custo reduzido das comunicações: a utilização das ligações à Internet para efectuar chamadas de voz permite poupanças significativas a prazo face a outras soluções mais tradicionais.
- Necessidade de ter apenas uma estrutura: a utilização das redes de dados (cabos de rede e a tecnologia Ethernet) para implementar o sistema de comunicações originam uma poupança significativa visto não ser necessário nova cablagem.
- Redes de voz transparentes e simplificadas assentem nas redes de dados: actualmente as empresas e organizações desenham as suas redes de dados de maneira a que os recursos possam ser acedidos a qualquer altura, mesmo nas situações em que um funcionário não se encontra fisicamente na empresa. Existindo uma ligação à Internet, o funcionário através de uma VPN pode aceder aos recursos. O VOIP, por estar assente na rede de dados, herda estas capacidades. O funcionário, estando ligado à rede de Dados da empresa num qualquer lugar do mundo, pode ser contactado através do seu softphone com 3 ou 4 dígitos.
- Portabilidade dos telefones: na alínea anterior mencionamos o softphone (telefone por software), mas existem obviamente telefones IP. Se os telefones IP tiverem a capacidade de estabelecer uma VPN poderão ser levados para qualquer lugar onde exista ligação à Internet, mantendo o número da extensão.
- Comunicações unificadas: as mensagens de voicemail e faxes podem ser enviadas para o e-mail. Sistemas de videoconferência podem ser implementados assim como integração com software third party que acrescente outras funcionalidades.
Digitalização da voz
A compreensão da digitalização da voz é essencial para o Administrador de soluções VOIP, pois interfere na escolha de codecs e de hardware específico para a PBX. Foi o cientista Harry Nyquist que criou o processo que permite a transformação da voz analógica em digital. Segundo o Teorema de Nyquist, a frequência de amostragem de um sinal analógico, para que possa posteriormente ser reconstituído com o mínimo de perda de informação, deve ser igual ou maior a duas vezes a maior frequência do espectro desse sinal. Vejamos igualmente alguns factos relacionados com o som:
- O ouvido humano é capaz de interpretar frequências entre os 20 Hz e os 20000 Hz.
- Uma conversação humana usa frequências que variam entre os 200 Hz e os 9000 Hz.
- Os telefones transmitem frequências entre os 300 Hz e os 3400 Hz.
- O teorema de Nyquist consagra transmissão de frequências entre os 300 Hz e os 4000 Hz.
Atendendo aos factos enunciados, constatamos que existe uma discrepância grande entre as frequências de uma normal conversação entre duas pessoas e as frequências que são utilizadas numa chamada telefónica. De facto, uma chamada telefónica permite que consigamos identificar o nosso interlocutor mas sem a mesma qualidade que teríamos se pudéssemos falar presencialmente com ele. Tal é perceptível quando ouvimos um programa na rádio em que uma das vozes pertence a alguém que está a falar ao telefone. Pelo teorema sabemos que podemos reproduzir fielmente um sinal de áudio se a amostragem for duas vezes superior à frequências mais elevada. E nas frequências entre os 300 e os 4000 Hz, a aplicação do teorema leva a que a amostragem seja de 8.000 (2 * 4000). Uma amostra é um valor numérico que ocupa um byte de informação. Na figura a seguir ilustra-se o processo de amostragem, onde o dispositivo de amostragem coloca uma onda analógica sobre o eixo y intervalado por valores numéricos.
O processo de conversão da onda analógica para valores digitais é conhecido como quantização. Porque 1 byte de informação pode representar valores entre 0 e 255 em decimal, a quantização da escala da voz apenas pode variar entre +127 e -127. Nota-se pela figura anterior que os valores positivos e negativos não estão uniformemente espaçados pelo facto de as frequências mais usadas na voz estarem mais representadas enquanto as das franjas estão mais espaçadas. O dispositivo de samplagem divide os 8 bits de cada byte em duas partes, uma positiva e outra negativa. Conforme ilustra a figura seguinte, o primeiro bit indica se o valor é positivo ou negativo, e os restantes 7 bits representam o efectivo valor numérico.
Observando a figura, o primeiro bit é 1, logo o número é positivo. Os restantes 7 bits representam o número 52. Tal é então o valor digital usado para um único sample de voz. Relembre-se que pelo teorema de Nyquist, precisamos de 8000 desses samples, por segundo. Fazendo uma simples multiplicação, dos 8000 samples necessários pelos 8 bits que cada sample ocupa, obtemos o valor 64000. Constatamos assim o facto de que o áudio sem compressão (incluindo o codec G.711), consome a largura de banda de 64 kbps. Uma vez que o dispositivo de sampling faça a conversão de analógico para digital das ondas sonoras, o router pode colocar essa informação em pacotes e enviá-los pela rede.
Nota importante: Existem duas formas do codec G.711, o μ-law (usado nos Estados Unidos e Japão), e o a-law (resto do mundo). O processo de quantização previamente descrito refere-se ao a-law. Para descrever o μ-law teríamos que atentar à figura anterior e trocar todos os 1s por 0s e vice versa. Sem entrar em delongas é necessário reter que excepto nos Estados Unidos e no Japão, deve-se seleccionar sempre a-law quando for necessário escolher qual a forma do Codec G.711.
O último e opcional passo no processo de digitilização é aplicar medidas de compressão com recurso a outros codecs. Por exemplo, o codec G.729 permite diminuir o número de samples enviados e ocupar menos largura de banda. Tal é possível, porque a voz humana produz sons muito parecidos na vocalização de muitas palavras. Tomemos a palavra mau. Podemos dizê-la muito depressa (m-a-u) ou caso o façamos mais demoradamente, (m-m-a-a-a-a-u-u). Assim sendo, é natural que no processo de quantização muitos dos samples sejam praticamente iguais para muitas palavras. O truque dos codecs que fazem compressão é informar o receptor da voz para reproduzir determinado sample durante um determinado intervalo de tempo. Tal permite no tocante ao codec G.729 uma redução de 64 kbps para apenas 8 kbps por chamada. Como raramente há “bela sem senão”, é expectável que a qualidade da voz não seja a mesma quando se usam codecs com capacidade de compressão. Na indústria do VoIP criou-se uma unidade de medida da qualidade das chamadas chamada MOS (Mean Opinion Score) que permite aferir a qualidade da voz em função dos codecs utilizados. Veja-se o quadro seguinte:
A escolha do codec deve ser adequada ao meio e aos objectivos que se pretendem atingir. Codecs de alta compressão devem ser utilizados em links com restrições de largura de banda assinaláveis, como as ligações por satélite. Se a largura de banda não for um problema, codecs como o G.711 devem ser utilizados para assegurar a satisfação das pessoas com as comunicações. No mundo Cisco, dois codecs são repetidamente mencionados, o G.711 e o G.729. Tal sucede porque a Cisco desenhou os seus telefones IP para operarem com esses dois codecs. O G.711 por ser uma espécie de codec padrão, que todos os fabricantes conhecem e utilizam. Por exemplo, se um telefone IP Cisco pretender comunicar com um telefone IP Avaya poderá fazê-lo através do codec G.711, mesmo que ambos possuam um manancial de codecs proprietários.
Nota: Existem duas variantes do codec G.729. O G.729a (anexo A) e o G.729b (anexo b). O G.729a sacrifica a qualidade do áudio para obter maior fiabilidade e eficiência no processamento. O G.729b introduz suporte para uma tecnologia chamada VAD – Voice Activity Detection, que torna as transmissões por voz mais eficientes.
O papel dos DSP – Digital Signal Processors
Caso se pretenda que um router Cisco opere VOIP e faça uso de codecs conforme temos vindo a descrever, é imperioso que o mesmo esteja equipado com DSPs (ver figura). Um DSP é um chip com um aspecto similar ao de um módulo de memória RAM de um p.c responsável pelo sampling, codificação e compressão do áudio. O router poderá estar igualmente equipado com VICs ( Voice Interface Cards) que permitem a ligação com a telefonia tradicional, sendo que os DSPs são sempre necessários para transformar a voz em pacotes IP. Para verificar o suporte a DSPs e respectiva instalação verificar o manual do router ISR (Integrated Service Router) Cisco. Pesquisar no site da Cisco uma calculadora que mediante o preenchimento de algumas variáveis relacionadas a dimensão da Rede permite averiguar o número de DSPs necessários.
RTP e RCTP – Conceitos básicos
Nas tecnologias VoIP existem vários protocolos que operam entre si para permitir o transporte de voz em pacotes IP. Entre os mais importantes encontram-se o RTP (Real Time Transport Protocol) e o RCTP (Real Time Transport Control). O RTP opera na camada de transporte em cima do UDP. Ter dois protocolos responsáveis pelo transporte parece estranho mas é efectivamente aquilo que sucede. O UDP cumpre o seu papel habitual, gerindo os números das portas e os checksums dos cabeçalhos (garantindo a incorruptibilidade dos dados). O RTP adiciona time stamps e sequence numbers à informação do cabeçalho para permitir que o dispositivo que recebe os pacotes os possa ordenar pela ordem correcta. O time stamp é usado pelo buffer do dispositivo que recebe o áudio para remover pequenos atrasos entre os pacotes (jitter). A figura seguinte mostra a informação constante num cabeçalho UDP.
O campo Payload Type no cabeçalho RTP designa qual o tipo de RTP em uso, visto que o RTP pode ser usado para transporte de áudio e vídeo. Quando dois dispositivos tentam estabelecer uma sessão de áudio, o RTP escolhe uma porta aleatória entre 16,384 to 32,767 para cada stream. Note-se que numa comunicação áudio entre dois intervenientes são formados dois streams, um para cada direcção. O stream de áudio permanece na porta escolhida para a sessão enquanto durar visto que os dispositivos não mudam dinamicamente as portas durante a chamada. No momento em que os dispositivos estabelecem a chamada surge o RCTP cuja função é recolher estatísticas sobre os factores determinantes no sucesso e qualidade das comunicações. Entre os itens analisados salienta-se a contagem e eventual perda de pacotes, o delay e o jitter. Fora do âmbito deste artigo, releva-se a importância de uma correcta configuração do QoS (Quality of Service) da rede, que garanta a priorização do tráfego VoIP. O RCTP apenas recolhe informação não inferindo no sucesso e qualidade das chamadas (pacotes RCTP são enviados de 5 em 5 segundos). Saliente-se que o RCTP cria sessões independentes geralmente escolhendo a porta a seguir à escolhida para o estabelecimento da chamada com o RTP. Como tal, se o RTP escolheu a porta 17654, o RCTP usará a porta 17655.
Depois de termos abordado os protocolos de transporte convém referir os protocolos utilizados para sinalização de chamadas no VoIP. Entre os mais referenciados estão o H.323, o MGCP e o IAX, sendo que o mais notável, fácil de entender e implementar é o SIP -(Session Initiation Protoco) que tem um funcionamento muito parecido com o HTTP. O SIP é mantido pela Internet Engineering Task Force (IETF), sendo como tal um protocolo aberto. Refira-se que o protocolo H.323 é gerido pleo ITU-T (International Telecommunication Union Telecommunication Standardization), organização mundial de Telecomunicações. No entanto, trata-se de um protocolo mais críptico e díficil de entender que o SIP. Na maioria dos casos para configurar o seu equipamento ou central com uma conta VoIP, a empresa fornecedora do serviço fornecerá um User ID que normalmente é um número, uma Password, o nome do Sip Server/Register que será sip.nomedoprovider.??? e opcionalmente poderá fornecer um Stun server que terá um nome stun.nomedoprovider.??? e a porta de ligação que é quase sempre e por defeito a 5060. Porventura o nome de um servidor SIP proxy poderá também ser fornecido, não sendo no entanto muito comum.
VoIP e telefonia tradicional
Existem situações em que poderá pretender que um telefone analógico ou uma Central Telefónica convencional se liguem a um sistema VoIP ou seja façam interface com a Internet.
FXO Gateway
Para ligar linhas telefónicas analógicas a um sistema telefónico IP é necessário uma gateway FXO. Tal permite ligar a porta FXS da Operadora à porta FXO da gateway, que por sua vez faz a tradução das chamadas em formato analógico para VoIP.
FXS Gateway
Uma gateway FXS é usada para ligar uma ou mais linhas analógicas de uma Central Telefónica convencional a um sistema VoIP ou Provider. Em alternativa, pode usar a gateway FXS para ligar telefones analógicos e usá-los como telefones VoIP.
Adptador FXS ou ATA (Analogue telephone adapter).
O ATA é usado para ligar um telefone analógico ou um fax a um sistema VOIP. Poussuí uma porta FXS onde se liga a porta FXO do equipamento analógico terminal.
VoIP em Portugal
Nota: Em Portugal as primeiras Operadoras nacionais inteiramente dedicadas ao VoIP nunca conseguiram notoriedade nem cota de mercado assinalável. O desenvolvimento do mercado de Telecomunicações passou sempre pela omnipresença dos grandes operadores que asfixiaram as pequenas. Numa rápida pesquisa no Google verifiquei que algumas das operadoras VoIP que surgiram já não existem ou foram adquiridas por outras companhias. Algumas grandes operadoras tradicionais prestam serviços VoIP. A Meo e a NOS permitem a criação de número VOIP que podem ser utilizados nos smartphones. As condições variam bastante como tal deverá consultar o seu ISP para se inteirar das condições das mesmas. Para verificar se o VoIP é uma opção viável deve-se verificar com detalhe as chamadas efectuadas e compará-las com os tarifários dos operadores VoIP. Depois deve-se verificar qual o investimento que é necessário efectuar na estrutura de telecomunicações da empresa para colocar o VoIP em produção. O ideal será contactar o organismo nacional regulador das comunicações – ANACOM e perguntar quais são os agentes nacionais devidamente homologados para operar VoIP em Portugal. Verificar a informação sobre VoIP e respectivos operadores na página da ANACOM. http://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=324875. A solução empresarial mais interessante que pude consultar é prestada pela Zycoo (consultar o site www.voip.pt ). Oferecem uma vasta gama de serviços de comunicações unificadas com integração Microsoft assentes numa plataforma híbrida a preços muito interessantes.
Fontes
- CCNA Voice - Official Cert Guide
- Introduction to Telecomnications Network Engineering - Tarmo Anttaleinen
- 3cx Academy
Para saber mais
- http://www.infopedia.pt/$fonografo
- http://en.wikipedia.org/wiki/Plain_old_telephone_service
- http://www.mathworks.com/products/demos/signaltlbx/dtmf/dtmfdemo.html
- http://en.wikipedia.org/wiki/Signaling_(telecommunications)
- http://en.wikipedia.org/wiki/Time-division_multiplexing
- http://en.wikipedia.org/wiki/Integrated_Services_Digital_Network
- http://www.img.lx.it.pt/~mpq/st04/ano2002_03/trabalhos_pesquisa/T_1/
- http://www.ptempresas.pt/pme/voz/voz-fixa/acessos/acesso-basico-rdis
- http://www.ptempresas.pt/pme/voz/voz-fixa/acessos/acesso-primario-rdis#bloco(navegacao)
- http://www.3cx.com/pbx/fxs-fxo/
- http://en.wikipedia.org/wiki/Voice_over_IP
- http://en.wikipedia.org/wiki/Session_Initiation_Protocol
- http://www.voip-info.org/wiki/view/SIP
- http://datatracker.ietf.org/wg/sip/charter/
- http://www.sipforum.org/
- http://www.voiportugal.com/
- http://www.siptel.pt/